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Tingimento com barro - Entrevista com Marion Rupp

Tingimento com barro - Entrevista com Marion Rupp

2022-10-21

No início do desenvolvimento da coleção Olho D'Água, adentramos a terra. O ventre que nos faz matéria. Enterramos a pele morta, resquício da metamorfose. Fizemos lutos para então gestarmos novas vidas, novos ciclos. Toda matéria que não serve mais vira adubo para uma nova vida. Começamos a esculpir, dar forma, densidade.

Nas pesquisas e referências, o Bogolan (ou Bogolanfini), técnica ancestral dos povos do Mali e região, que tinge e revela traçados em barro na beira dos rios e a história de mulheres sertanejas que enterravam suas roupas em luto, para que ficassem pretas.

Chegamos então ao trabalho de Marion Rupp, fotógrafa e tintureira de Doutor Pedrinho, Santa Catarina, com quem firmamos uma parceria para tingir peças de patchwork: (re)costuradas e enterradas no barro, os refugos de tecido ganham novas formas e cores, uma nova roupa. 

A fotógrafa Brunê Nasato registrou o processo de Marion em uma manhã de Agosto. 

Como funciona o processo do tingimento com o barro? 

Não existe só uma forma de fazer o tingimento com barro, porque cada barro tem seus minerais predominantes que vão reagir de formas diferentes. Portanto, o que vale para um tipo de barro, pode não valer para outro e aí, a forma de fixar é completamente diferente. Mas no caso do tingimento ancestral, a base é a reação do tanino com os minerais ferrosos, mas ainda assim, vai depender do barro certo para funcionar.

E dependendo da qualidade dele, alguns precisam ser coletados e depurados, pois contém areia demais. E outros podem ser usados diretamente no local onde se encontra.
É fundamental que não esteja em área de mineração ou sob o agronegócio, pela óbvia razão que utiliza grandes doses de veneno. 

No caso dos tecidos da Flávia, todos foram tingidos diretamente no local do barro, feito um buraco, como se fosse uma bacia, ao lado de um lago, com água que desce de uma nascente, já que são tecidos grandes e tem um tempo certo de entrega. Mas em meu processo, também utilizo baldes, bacias, bombonas ou potes, tudo depende do tamanho do tecido.

É importante dizer que moro na zona rural de pequenos agricultores. Para lavar os tecidos grandes, o ideal é um rio com água corrente ou lago. Aqui tenho um rio que desce de cachoeiras. Assim, quando se faz as lavagens, o excesso de barro que sai, já volta para o lugar de sua origem. Para tecidos pequenos não tem problema lavar numa bacia e jogar as primeiras águas no jardim. É até bom para o solo.

Todo tecido tem que ser preparado. Fazer a purga, que é lavagem profunda, dar o banho de tanino
(no método ancestral) e depois o banho de barro. No caso dos taninos, sempre utilizo o que o lugar me dá, sejam cascas de árvores, sementes, "ervas daninhas", etc…Um único banho não traz resultado bom. São necessários vários banhos. Mas o sol (intenso e de preferência de verão) é fundamental, pois além de ajudar a secar para que se possa fazer o próximo banho, trabalha essa alquimia invisível dos minerais. 

 

Esta é uma técnica ancestral?

O tingimento natural, seja com barro ou somente plantas, sempre esteve ligado a cerimônias e rituais ou ao status social. Esse processo de tingimento foi muito utilizado no mundo todo, inclusive no Brasil por tecelãs (infelizmente hoje desaparecido).

Essa técnica na África, ,mais especificamente no Mali, se chama Bogolanfini e é reconhecida pela UNESCO como patrimônio cultural do país. Mas no Japão por exemplo, em Amami Oshima, há artistas que tingem tecidos e roupas com a lama vulcânica de lá e isso é uma das atrações deste lugar. Lá esse processo tem o nome de Dorozome.

Já na China, há um tingimento de seda que recebe o banho de lama após os 30 banhos de tanino. Essa seda é famosa não só pela cor preta, mas pelo poder de adsorção que o barro tem. Ou seja, faz a troca de calor e umidade trazendo bem estar para quem veste uma roupa com este tingimento numa cidade quente e úmida, pois segundo dizem, a pessoa não fica com o corpo suado. É normal ouvirmos sobre essa troca de calor e umidade de construtores de casas de barro, por exemplo.
No corpo, se aplica da mesma forma. 

Mas no Chile, no Peru, na Guatemala e tantos outros povos originários, em pequenas comunidades, ainda há aqueles que preservam a tradição fazendo esse tipo de tingimento. 

A técnica tem uma imprevisibilidade? Quero dizer: quando você tinge, já sabe o tom que chegará a partir da quantidade ou tempo do barro no tecido ou o processo é muito experimental?

No tingimento ancestral, se utiliza pouquíssimo barro, já que a cor se revela pela alquimia dos taninos com os minerais. Essa reação vai acontecendo gradativamente. É preciso fazer muitos banhos. O barro engana muito quanto a cor externa. Às vezes olhamos o barro e ele é vermelho, mas, ao tingir fica amarelo, isso porque a parte que fica em contato com as chuvas, ar, intempéries vai oxidando os minerais. Outras vezes temos um barro preto, que vai nos surpreender com um marrom amarelado.

Eu sempre faço testes antes quando vou utilizar um barro, seja coletado ou "in loco", independente se é o tingimento pelo método ancestral ou não, já que são diferentes. Acho que todo tingimento natural, sendo de barro ou botânico, demanda tempo de experiência, pesquisa e observação. 

Também é muito importante ver a formação rochosa do local em que se está, pois ajuda a saber que tipo de solo (barro) que teremos em maior quantidade ali. Por exemplo: a cor da água parada no solo já pode dizer muito, mas é preciso ver e pesquisar. 

O que vai interferir demais para um bom resultado é o tipo de tecido. Quanto mais natural, melhor será o resultado. Impossível tingir com barro qualquer tecido sintético, assim como tecidos de fibras mistas com misturas sintéticas, como poliéster, poliuretano(pet), desfibrados, acabamento de silicone, fio encerado...se não deu certo, normalmente é porque há mistura no fio.

Conta da sua trajetória com esse tingimento: você é fotógrafa mas  passou a estudar tingimento natural.
Como foi esse começo, o que te despertou o interesse nestas técnicas?

É, fui fotógrafa por mais de 30 anos. Trabalhei como repórter fotográfica de jornal de grande circulação de Santa Catarina,  fotógrafa no meu estúdio onde fazia desde fotos pessoais até publicitárias e catálogos de confecções. Também fiz várias exposições fotográficas, geralmente com nus artísticos que faziam alguma crítica social. 

Mas, fotografando os catálogos, comecei a me interessar por moda e fiz um curso maravilhoso de moulage e modelagem plana. Eu já costurava, adorava pesquisar coisas diferentes do normal e fazia várias produções para o estúdio. Mas foi aí que senti alguns problemas no ramo de confecção. Primeiro, se vc quer fazer uma roupa, precisa comprar muito tecido, porque caso venda, precisa ter o produto igual ao que vc anunciou na internet. Isso me fez mudar radicalmente. Achei absurdo ter estoque em exagero, sem saber se aquela estampa venderia. Então comecei a fazer minhas estampas com carimbo e estêncil. Depois, eu ficava incomodada com as tintas.
Não pensei 2 vezes e fui estudar, pesquisar, ler teses e aprender sobre as plantas e tingimentos. Nada melhor que ler muitas teses científicas. É chato mas vale a pena. Com a ajuda do Google tradutor, li textos japoneses sempre foram os mais complicados na tradução, mas valem a pena, assim como os indianos.

Mas e o barro? Eu via os africanos nos vídeos fazendo o Bogolanfini, (pensa nos olhos brilhando da pessoa aqui), vendo aquelas maravilhas, fiquei apaixonada, comecei a experimentar, mas não conseguia fixar o barro, além de não ter o mesmo barro deles para fazer esse tipo de tingimento ancestral. 

Enfim, pesquisando sempre coisas antigas, vendo como os antigos japoneses fixavam as plantas no tingimento botânico, resolvi testar com barro e deu certo (não o tingimento ancestral mas o barro amarelo ou vermelho que temos muito por aí).

Não sabia de ninguém que fazia a fixação. No começo de 2017, tive certeza que funcionava, depois de muito lavar um vestido que eu tinha tingido. Aliás, está inteiro até hoje.

Aí vem outro ponto: ninguém acreditava que o barro fixava, também riam ou achavam que eu não tava bem da cabeça. Dei palestras para universidades de moda, dei cursos, mostrei exemplos que isso era algo para o futuro e comecei a participar do movimento fashion revolution de Blumenau. Quando chegou a pandemia, minha agenda de fotógrafa foi toda cancelada. Fiquei triste por um lado e feliz por outro, pois pude me dedicar exclusivamente ao tingimento. Conheci a Marcela da Terra que me incentivou a dar curso de tingimento de barro online.

Continuo fazendo minhas camisetas, roupas diversas, tecidos, vendendo online ou em feiras, participando de congressos, eventos, às vezes aceitando pedidos sob encomenda. É um processo artesanal e demorado e que agora está começando a ser aceito comercialmente. Mas que depende do tempo bom e não pode ter urgência para entrega. Ainda preciso mostrar, explicar e falar muito para que entendam que é um tingimento viável, circular, 100% ecológico e que funciona. 

Mas o mais importante: porque o barro? Porque não precisa ficar horas na frente do fogão. Pode ser todo à frio. Não gasta gás!
No máximo ferver água, de preferência no fogão a lenha. O barro, é um dos elementos mais abundantes no planeta, que após o uso da peça de roupa e durante o processo, ele se reintegra à natureza e volta pra casa, e isso é lindo!


Conheça as peças clicando aqui.

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