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Conversa com Flavia Aranha: inovação industrial têxtil

Conversa com Flavia Aranha: inovação industrial têxtil

2022-08-15

Em 2022 completamos 13 anos de marca. E celebramos chegando à industria para desenvolver o tingimento 100% natural em larga escala, pela primeira vez.

Por muito tempo, o processo ancestral pareceu não pertencer ao ambiente industrial. Cozinhamos cores nas panelas, tingindo as peças já costuradas, buscando a possibilidade de transpor as receitas e particularidades do processo para uma máquina de tingimento industrial.

Depois de muita pesquisa, parcerias e inovação, eis aqui o resultado: tecidos inteiros tingidos, fixados e lavados com plantas e minerais. Fazer brotar ideias que nos permitem expandir e acreditar em outros caminhos para a indústria têxtil.

Nesta entrevista, Flavia conta um pouco dessa caminhada e quais as motivações e desafios para expandir.


Quais as suas motivações para buscar parcerias e industrializar o processo de tingimento natural?

O que me motiva a industrializar os processos de tingimento natural é a possibilidade de gerar inovação a partir do conhecimento ancestral e consequentemente contribuir para a transformação do ecossistema têxtil em uma indústria mais positiva e circular. 

Nosso projeto é pequeno, e embora tenha impactos muito importantes e transformadores, é uma parte muito pequena deste mercado. Entendo que o mercado e a indústria precisam mudar radicalmente seus processos para refletir sobre a vida na terra nos próximos séculos. Então pensar esses encontros é caminhar na direção de soluções sistêmicas que transformem a maneira como se faz roupa no Brasil. Não apenas no processo, mas na forma de pensar a indústria. Esse encontro, para além da precisão do método, também provoca a indústria a pensar sua cadeia produtiva, se conectar com uma rede de agricultores, entender os tempos e ciclos naturais e a própria relação com a água. Então, no longo prazo a ideia é que produzir uma roupa seja uma forma de regenerar os biomas, o solo, a água. Transformar o eixo do pensamento industrial para um processo realmente circular.

 

 

Ainda, tem uma questão do acesso e democratização dos nossos produtos.
Somos uma marca inacessível para a maior parte da população. Industrializar esse processo é de alguma forma reduzir custos, uma vez que otimizamos os materiais, os tempos e a mão de obra. Tenho consciência que não resolveremos o abismo da desigualdade social com tecnologia nenhuma, mas acho que esse passo abrirá caminhos para que mais pessoas possam vivenciar a experiência de um produto feito com fibras agroecológicas e tingimento vegetal. 

Por fim penso que essa troca entre a experiência mais holística e integrada dos conhecimentos ancestrais praticados ao longo dos 13 anos da marca, aliada às pesquisas contemporâneas da botânica e química (um exemplo foram meus anos de SENAI e os primeiros contatos com os maquinários industriais) e à ciência cartesiana e especializada gera uma aceleração na inovação. 

O tingimento natural, antes do primeiro corante sintético, já havia sido industrializado. Mas sua fixação era feita com metais pesados. Então, olhando para uma perspectiva histórica mais longa, o próprio desenvolvimento dos corantes sintéticos contemporâneos já vem olhando para os problemas modernos como a crise climática, contaminação das águas e a sustentabilidade de maneira geral. Entendo que todo esse conhecimento acumulado, quando encontra o nosso processo, traz novas visões e caminhamos para a possibilidade de uma nova ideia de indústria. Uma indústria que pensa transformação dos materiais de forma circular e orgânica.

 

 

É importante lembrar que a produção dos corantes naturais foi (e ainda é em alguns lugares) feita de forma predatória e exploratória. Não basta ser natural. É preciso que os recursos sejam pensados de forma plural, que suas origens sejam regenerativas, que as relações com os produtores sejam justas. Então precisamos ter muito cuidado com a maneira como essa cadeia toda entra na indústria junto com a técnica, a tecnologia. Senão, pode virar apenas mais uma embalagem capitalista para manter as mesmas práticas e lógicas. 

 

E como essa mudança de comportamento e lógica produtiva da indústria têxtil pode impactar a longo prazo? 

Acredito que uma indústria que usa corantes naturais em maior escala (de forma coerente) pode contribuir com a ampliação de sistemas agroflorestais, aumento e fomento da agroecologia e agricultura familiar, fortalecimento dos biomas e espécies nativas.

Imagina se um agricultor que planta soja transformar seu território produtivo em uma agroflorestal têxtil que recupera a mata nativa e ao mesmo tempo produz fibras e corantes originais daquele bioma gerando renda para quem mora ali? É um pouco disso que testamos e fomentamos ao longo dessa década. E se conseguirmos escalar, podemos tentar transformar o agronegócio de forma potente. Também é importante lembrar que outras indústrias têm ressonância com essa ideia. A indústria do alimento, dos cosméticos, entre outras. O que é resíduo para a indústria alimentícia pode ser matéria prima para a indústria têxtil, por exemplo. Portanto é importante que as indústrias tenham mais sinergia e um pensamento mais integrado, interdisciplinar.

 

Conta um pouco da trajetória da marca com o tingimento natural e quais foram os desafios.

Começamos na panela. Nossa primeira coleção foi feita só com chás. Conforme crescemos o negócio, fomos ampliando a cadeia produtiva, aprimorando o conhecimento e a técnica e ampliando as cores das nossas roupas. Nos primeiros anos eu tinha o olhar atento aos processos artesanais, às lógicas ancestrais e minha maior fonte de conhecimento eram mesmo as artesãs do Brasil e de outros países. 

Em um segundo momento, talvez depois de uns 5 anos de marca, muito influenciada pelo contexto urbano e pelo crescimento da demanda do ateliê, comecei a buscar conhecimento mais técnico, com bases científicas. Então fui estudar no Canadá. Lá tive oportunidade de entender os mesmos processos a partir de experiências de mestres tintureiros de países diferentes. Mas também aprendi com químicos e botânicos. Então fui fisgada pela possibilidade de inovar, de criar novos diálogos entre esse conhecimento mais holístico e intuitivo e a pesquisa mais acadêmica e científica. 

 

 

Depois, já no Brasil, fui estudar química têxtil no Senai. E fiquei apaixonada pelos maquinários industriais. Existe uma beleza sem fim na panela (até hoje temos elas no ateliê para produções pequenas e bem artesanais), mas quando o volume de produção cresce, poder contar com equipamentos criados pelo homem que otimizam o tempo e os recursos é algo fascinante. 

 Foi em 2018 que abrimos nossa própria tinturaria natural, no galpão da Rua Turiassu, em Perdizes, São Paulo. Lá, com os equipamentos próprios, pudemos avançar muito no método. Regular a temperatura de cada processo, o tempo de melhor montagem, a proporção de cada corante e mordente para o melhor resultado de cor e solidez. 

Em 2021, com a inauguração de nossa terceira loja, a lavanderia ficou mais uma vez pequena. E foi esse o ponto de partida para o diálogo com a indústria. Usar outros equipamentos, mais modernos, que possibilitassem já recebermos os tecidos coloridos. 

 

Os processos de tingimento natural foram transpostos da panela para indústria com as mesmas matérias primas e receitas? Fala um pouco sobre as matérias-primas para além da cor. 

Sim, a receita é a mesma. Os materiais são todos fornecidos por nós. Temos a cadeia dos agricultores, dos parceiros que transformam em extrato e os fixadores. 

Além das plantas que dão origem às cores (usamos catuaba e romã nesta primeira produção industrial), também usamos alúmen, um sal mineral que atua na fixação dos corantes naturais. Em muitos dos lugares do planeta esse sal é formado com facilidade; o tanino que também funciona como fixador, é uma substância que você encontra na maioria das plantas (especialmente madeiras, mas folhas e frutos também); o ferro, um mineral que encontramos no solo e em muitas plantas também. Então todas as substâncias utilizadas em nossos processos de fixação são de fontes abundantes e encontradas em diversas origens. Mesmo os minerais utilizados por nós são renováveis e formados rapidamente.

A função dos fixadores é criar uma ponte química entre corante e fibra, e fazer com que as moléculas fiquem ali pelo maior tempo possível. Entender as reações químicas que acontecem entre a molécula de cor e a fibra é fundamental para fazermos as escolhas deles e criar uma receita. Cada um tem sua particularidade. O ferro por exemplo escurece a cor. O tanino deixa mais “sujo”, marrom. O alúmen deixa a cor mais brilhante.

 

Quais variantes afetam o resultado da cor? 

O tempo de imersão no extrato, a concentração da planta no preparo do extrato, a base usamos no tecido, a fibra…tudo isso varia cor. Dependendo do que queremos, montamos a receita. PH, porcentagem de corante, de mordente, tempo de cozimento e temperatura são os eixos que usamos para “desenhar” uma cor nova. 


O que podemos destacar ao comparar nosso tingimento no ateliê com o tingimento industrial em maior escala? 

Pensando no uso de água e corantes naturais: o cálculo médio que fazemos no ateliê é que para 1kg de roupa tingida usamos 160g de planta seca. Em relação a água, usamos a proporção de 30L de água para 1kg de roupa.
Mas trocamos a água várias vezes em um único processo, de forma que usamos 120L de água para produzir um 1kg de roupa pronta. Isso é bastante. No processo industrial reduzimos esse volume em 2/3. Então, esse encontro com a indústria potencializa bastante redução de insumos. 

 

Existe uma impermanência da cor da roupa feita apenas com matérias-primas naturais que baseia a nossa narrativa de roupa viva: ela é como a nossa pele, se transforma, sofre interferências do sol e temperatura, além de ser mais sensível a diversas substâncias. Como você vê isso numa perspectiva de percepção do produto e consumo? Se o tingimento natural se amplia a partir da indústria, o consumidor precisa reaprender a olhar para os produtos, entendendo tudo que permeia o processo natural? 

Sim. A lógica não pode ser sintética. Se você usa roupas vivas, tem que pensar em como lava e cuida delas de uma forma viva também. Mas é claro que também temos interesse em usar a tecnologia e a pesquisa para criar processos mais duráveis. Mas sempre entendendo que toda vida tem seu ciclo e o tempo dela depende da forma como você vive. Não queremos abrir mão desse pensamento. 

 

Aproveitando que estamos falando de tecnologia e inovações, conta sobre a pesquisa da fibra de algodão e a elevação da qualidade dos fios que a marca vem trabalhando nestes 12 anos. 

Tem 2 pontos importantes. Um é o comprimento da fibra e o outro é o acesso a equipamentos de ponta.
Conforme a indústria se interessa pelo algodão orgânico e corantes naturais temos mais acesso a equipamentos de melhor qualidade. Então a melhoria do nosso fio vem dessa abertura. Antigamente dependíamos de fiações mais limitadas. Agora temos acesso a uma das melhores fiações do país e aos maquinários de ponta na parte da tecelagem. Então a melhoria na qualidade da malha é muito visível com essa coleção. Isso foi possível pela persistência em fomentar o cultivo e o uso dessa fibra, acreditar nas possibilidades que desenhamos com ela. 

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